terça-feira, 4 de setembro de 2012

A conversa com Deus




Não consigo me lembrar do dia da semana, sequer o dia do mês, mas era julho, porque me lembro do frio,  da chuva, do céu noturno sem estrelas. Não chovia naquele momento, mas o dia tinha sido chuvoso. Me lembro do céu perfeitamente. As estrelas não eram prometidas, principalmente em se tratando da cidade de São Paulo, onde a poluição normalmente não as deixa brilhar.
Mas aquele céu não era meu foco, não era no céu que procurava meu consolo e nem naquela paisagem escassa de beleza, com telhados sujos e úmidos e ao longe alguns prédios sem nenhum tipo de luxo, e sim em algo abstrato muito mais amplo e promissor, um Pai, um Milagre, ou qualquer coisa que aliviasse a minha angústia.
 Naquele momento eu não me lembrava das orações e talvez elas ali não fizessem sentido, pois não conseguia me concentrar nelas, mas eu sabia o que queria, tudo estava bem claro em relação a isso e do fundo do meu coração eu conversava com Deus.
            As palavras que saíam de minha boca, juntamente com as lágrimas que rolavam em minha face, desejavam o fim. Fim de um doloroso período no hospital em que meu filho Davi, uma criança com 2 meses e com uma má formação no SNC não conseguia reagir a sucessão de crises convulsivas que teve desde o seu nascimento e estava inerte,  sem reação alguma.
            Naquele dia, depois de quatro dias entre UTI, exames de sangue, eletroencefalogramas e ressonância magnética do crânio, conversas com médicos, e finalmente um diagnóstico dado de que ele tinha uma má formação no cérebro que comprometeria o seu desenvolvimento motor e psíquico, exaustos, eu e meu marido resolvemos passar a noite na casa de minha mãe, que na ocasião morava em São Paulo, e ela passaria a noite no hospital,  assim tentaríamos descansar.
            Diante daquela situação em que seu corpo  e sua mente não entram em acordo, e o sono não se faz presente, me levantei e fiquei na janela  a contemplar tal paisagem. Ali tive a mais profunda conversa com Deus que já tive em toda  minha vida, e,  ainda arrisco em dizer que poucas pessoas tiveram.
            Reservo a mim o direito de não contar sobre a conversa, mas digo que foi franca e aberta, eu não me encontrava em condições de rodeios.
            Penso que Ele me ouviu e me entendeu a fraqueza . No outro dia ao chegar no hospital, muito cedo, percebi que o sol, que por dias se escondeu, já vinha timidamente iluminando as folhas das árvores. Ao entrar no quarto do hospital, a surpresa: naquela noite Davi tinha reagido, começou a se espreguiçar lentamente, respondendo aos estímulos de massagens feita pela avó, minha mãe, e tomou aproximadamente 20 ml de leite dado pacientemente também por ela como conta-gotas.
            O neuropediatra que cuidou dele naquele momento, e até hoje se faz presente em seu tratamento, chegou até o quarto nos preparando para o pior, a idéia era induzir um coma, e..., bem..., agora não importa o que seria, depois de um exame neurológico longo e complexo, o médico olhou pela  janela, onde os raios de sol já sem timidez alguma aquecia o parapeito , olhou para mim com os olhos fixos e penetrantes por cima dos óculos e disse: “Parece que hoje o sol voltou a brilhar”.
            Naquele momento Deus deu a palavra final de nossa franca conversa: “Seu filho vai viver!”. Encontrei ali o meu milagre.